quarta-feira, 19 de outubro de 2011


Duas Situações...Dois Momentos...


Semana passada,num dia normal de trabalho me deparei com duas situações estranhamente diferentes.
Estava com  denuncia de que uma criança de 07 anos estava  muito machucada na escola aqui em Osasco. Eu e mais uma conselheira fomos pra escola pra  que pudéssemos verificar a situação e então, fazermos os procedimentos todos.
Realmente a criança estava bem machucada,porém falava muito bem de sua mãe e chorou com medo de não poder mais vê-la . Disse que não conseguiria de modo algum ,ficar sem a sua mamãe.
Um menino lindo...saudável...forte...inteligente....rápido em suas respostas...seguro em seus relatos breves...olhar firme. Menino decidido. Quase um homem...vem e vai sozinho. Sabe o que deve fazer. Atravessa a Avenida com cuidado.Presta atenção nos recados de sua mãe. Sabe o que tem que fazer quando chega em casa. Cuida do seu irmão pequeno ( de pouco mais de 01 ano) pra sua mãe organizar a casa.
Brinca as vezes, com amiguinhos. Mas o lugar a mãe diz ser muito perigoso. Fica atenta. Enérgica, não admite palavrões. Não quer ver seu filho metido em encrencas. Não gosta que ele se ausente de sua casa. Ele recolhe as roupas do varal. Coloca açúcar na caneca de leite, logo ali no sofá. Derrama e suja o chão. O barraco é limpo. Organizado. Bem antes, percebera a mãe, que o menino pegou o dinheiro do quarto. Menino atrevido esse. Menino que começou fazer coisa errada. Aprendeu nesse lugar ruim, pensa a mãe. O medo cresce porque sabe que deve sair dali rápido. O menino tem que ir pra outro lugar. Ela tinha acabado de chegar do serviço com o aviso  prévio nas mãos. Na pia, muita louça suja. O mais novo, chora copiosamente por querer o colo da mãe. O mais velho,está com os pés em cima do açúcar no chão. A televisão faz barulho e o menino com o olho fixo na imagem. mexe o leite sem perceber que derrama. O mais novo continua chorando.
Ela não pensa muito, vai até o quarto, pega um cinto e bate copiosamente no mais velho. Também , ele não obedece. Ontem ele estava impossível diz ela. Extrapolei. eu sei. Ninguem está aqui pra ajudar. Eu, quando criança, apanhava muito de minha mãe. Fui estuprada pelo cunhado aos 10 anos de idade e minha irmã me botou fora de casa. Cuidava dos irmãos que iam pra roça. Criança tem que crescer sabendo de responsabilidade, diz ela, sem parar .
Temos que fazer BO  e ela mesma diz que quer  falar com o delegado. Precisa explicar que não tem jeito não. Menino tem que ser assim. Dura. Assim aprende e é exatamente isso que relata ao delegado. Corrijo agora pra não ter que a policia corrigir, doutor. Ela é simples, branquinha, cabelos dourados, muito jeitosa. Fala bem. Se veste bem. Solta o mais novo no chão e de olho no maior. Sempre atenta. Prestes a ficar brava tudo de novo.
BO pronto e ela, ainda firme em seu discurso, diz não precisarmos ficar preocupadas não. Ela não é desumana, ela ama o filho. Ama os dois. Mas tem que ser assim, ela diz.
O menino maior brinca o tempo todo com o menor. O maior, pele morena, cabelos pretos. O mais novo, pele muito alva, cabelos cheios de cachos. Dois meninos, com uma mãe tão nova, tão menina, tão dura,tão decidida.

Do outro lado da cidade, no mesmo dia, agora , mais a noitinha....uma tia, muito educada. Gente fina. Cheiro diferente. Casa chique. Tudo moderno. Ajeitado. sofá de couro legítimo. T udo em ordem. Ela fala o tempo todo. Rapidamente. Muito assunto ao mesmo tempo. Sorri, gesticula, conta tudo. Sua irmã, mãe de um menino, que conhecemos por foto. Lindo. Ela não cuida do menino direito, diz a tia. Aqui, situação diferente. A agressão é psicológica. O menino ama a tia. Mas a tia tem que fazer tudo. Senão, fica sem o sobrinho. O sobrinho sofre.
Mãe e filho ( que tem 06 anos),moram em outro endereço, mas a tia, precisa saber o que fazer. Precisa estar atenta. O cunhado foi embora de casa. deixou a mulher e o filho. Agora, essa mãe massacra o filho, que é educado por demais. Estuda em colégio particular. faz o que a mãe manda, até brigar com o pai por telefone.
Coisa horrível, diz a tia.

Esclarecemos cada situação, em cada momento.  fazemos os encaminhamentos.

Volto pra casa e reflito muito. Momentos diferentes. Situações diferentes. Crianças educadas diferentemente. Os opostos que se atraem num só foco: violência com crianças. Adultos não entendendo o que fazer.
Isso me incomodou por uns dias. Mundos diferentes,com situações iguais. Mães educadas completamente diferentes, com o mesmo problema de agressão.
Estranhamente, chegando em casa,eu chorei.  Depois, dobrei os joelhos em oração. Clamei ao senhor, por cuidados com pessoas tão diferentes, com crianças tão fora dos contextos dos adultos.
Me peguei imaginando que talvez os meninos tivessem que ter o controle da situação . Se colocássemos os meninos juntos, nem perceberiam as diferenças sociais.  De repente, sairiam  abraçados, elaborando alguma brincadeira.
Mesmo dia. Dois meninos. Duas mães. Classe social completamente diferentes.  Mesmo problema, com procedimentos diferentes. Orientações muito parecidas.

Descrevi esse caso, pra que possamos , juntos, refletirmos sobre nossas ações. Nossos atos. Nossas atitudes. O que estamos fazendo com nossas crianças. O que queremos delas. O que exigimos que façam. Pra onde queremos ir? O que estamos traçando?
São realmente sujeitos de direitos, ou apenas peças numa mesa, as quais devemos mexer conforme nossa vontade, de acordo com os nossos desejos.
Que possamos refletir.

Artigo 18 do Eca:
..." É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente,pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,violento, aterrorizante,vexatório ou constrangedor.".....